JUNIOR BENEDITO PLEIS
A concepção de beleza na Matemática e
na Arte não possui um conceito em comum que compreenda todas as suas vertentes,
mas durante alguns períodos históricos através da maestria de seus
representantes esse paradigma foi transposto e chegou num denominador comum em
relação à perfeição estética de determinadas obras: simetria. Na Antiguidade
Vitrúvio inaugura uma nova tendência legitimada através da Matemática que será
um dos pilares de Da Vinci no Medievo, período que não produzirá uma teoria
estética da Arte, mas vai consolidar o sistema da bela proporção, respeitando
as três figuras básicas da geometria: círculo, triângulo e quadrado.
É na Escola Pitagórica que se lançaram
as primeiras sementes dos números racionais, pois acreditavam que tudo no mundo
podia ser expresso através de frações. Logo perceberam que havia elementos que
contrariavam essa conclusão, nomeando-os como incomensuráveis ou irracionais.
Desses estudos surge a Proporção Áurea que vai ser o referencial nas
construções arquitetônicas dos próprios gregos como o Parthenon. Mas essa
tendência já aparecia entre os egípcios que a utilizaram para a construção de
suas pirâmides e no Papiro de Rhind já havia a menção a uma “razão sagrada” que
se acredita versar sobre a Proporção Áurea.
A Proporção Áurea é representada pela
letra grega phi (Φ) e é resultado da expressão Φ =
= 1,61803399... ou
somente 1,6 que é considerado o padrão de belo na Arte de Vitrúvio e de
Leonardo porque apresenta uma simetria condicionada a ideia de perfeição. Essa
tendência é constante na natureza e nas coisas que temos como belas, como as
pétalas das rosas, a disposição das sementes de girassóis, nos caules das
árvores, nas diagonais dos abacaxis e nas conchas em espiral.
Marco Vitrúvio Pollio foi um arquiteto
que viveu no século I a.C. e escreveu um tratado sobre sua profissão intitulado
Da Arquitetura, sendo a única obra do
período helênico nesse estilo que resistiu ao tempo. Ela ficou esquecida
durante séculos para ser descoberta durante o Renascimento, recebendo o
interesse de Leonardo da Vinci, mas é discutida até a contemporaneidade. A
literatura em si permeia questões sobre a proporção ideal na arquitetura em
relação às proporções do homem; esse conceito é chamado de bene figuratus ou boa conformação, que defende que é a simetria que
proporciona harmonia. Nessa obra há a defesa da simetria corporal de uma pessoa
bem modelada para alcançar o ideal nas construções arquitetônicas; a
regularidade matemática oriunda da geometria passa a ser valorizada como um
padrão de medidas da perfeição. Segundo ele:
“Ao corpo humano a natureza conformou
de tal forma que o rosto do queixo até o alto da fronte e as raízes dos
cabelos, constitui um décimo dele; similarmente, a palma da mão, do punho até a
extremidade do dedo médio, tem a mesma extensão; a cabeça, do queixo até a
coroa, um oitavo, do alto do peito até à raiz dos cabelos, um sexto; do meio do
peito até a coroa, um quarto. Quanto à extensão do rosto, constitui um terço a
parte que vai da ponta do queixo até a base das narinas; o nariz, da base até o
fim, no meio das sobrancelhas, o mesmo tanto; desse ponto até a raiz dos
cabelos, a fronte constitui, do mesmo modo, um terço. O pé, por sua vez,
constitui um sexto da altura do corpo; o cúbito, um quarto; o peito também um
quarto. Os membros restantes têm igualmente suas medidas proporcionais (...).
Assim, o centro do corpo é o umbigo. De fato, se se colocar uma pessoa deitada de
costas com as mãos e os pés estendidos e se estabelecer o centro de um círculo
em seu umbigo, traçando-se a circunferência, ela tocará a linha dos dedos de
ambas as mãos e dos pés. Assim como se traça a figura de um círculo no corpo,
encontrar-se-á nele a forma de um quadrado” (VITRÚVIO, Da arquitetura, livro
III, capítulo 1).
Leonardo da Vinci, anatomista e artista
da Idade Média (século XV), alcança seu reconhecimento devido à qualidade de
suas obras, que só foram possíveis devido às dissecações explanatórias de mais
de trinta cadáveres (GOMBRICH, 1988), que embasaram cientificamente seus
desenhos. Utilizou a técnica do esfolado, que consiste em separar cada pedaço
do corpo para se observar os menores elementos, como veias, músculos e tendões;
almejando à ideia de perfeição clássica para retratar os corpos além da obra de
Vitrúvio. Em comparação ao texto do grego, Da Vinci escreveu:
“Se abrires as pernas tanto que caias em
altura um quatorze avos, e abrires e levantares os braços tanto que com os dedos
médios toques a linha do topo da cabeça, o centro das extremidades dos membros
abertos será o umbigo, e o espaço que se encontra entre as pernas será um
triângulo equilátero. Tanto abre o homem os braços quanto é a sua altura. Da
raiz dos cabelos até embaixo do queixo é um décimo a altura do homem; de
debaixo do queixo ao topo da cabeça é um oitavo de sua altura; do alto do peito
à raiz dos cabelos é a sétima parte do homem; dos mamilos até o topo da cabeça
é a quarta parte do homem; a maior largura dos ombros contém em si a quarta
parte do homem, do cotovelo até a ponta da mão é a quinta parte do homem; do
cotovelo ao ângulo do ombro é a oitava parte desse homem. A mão inteira é a
décima parte do homem, e o membro viril nasce no meio do homem. O pé é a sétima
parte do homem; da sola do pé até o limite inferior do joelho é a quarta parte
do homem; do limite inferior do joelho até o membro viril é a quarta parte do
homem. As partes que se encontram entre o queixo e o nariz, e das sobrancelhas
à raiz dos cabelos, equivalem cada uma à orelha e são um terço da face” (DA
VINCI, Tratado da pintura).
Apesar de ambos buscarem a perfeição, Vitrúvio mostra em seu texto que o
sistema das medidas matemáticas adotadas é de múltiplos e submúltiplos (um
oitavo), ao passo que Da Vinci utiliza-se de outra denominada de dedo; mas que possuem outro elemento em
comum: uma escala que tem como parâmetro de unidade aproximadamente dois
centímetros. O veneziano ainda acrescenta em seu texto que o centro de
gravidade do homem não é no umbigo, mas um pouco mais abaixo.
Vitrúvio utilizando-se das diversas
partes do corpo – dedo, palma, côvado ou pé – afirmava que as medidas
arquitetônicas deveriam seguir as proporções desses elementos para obter uma
construção bela. Para ele: “[...] assim como os membros do corpo humano têm uma
proporção regulada pelo todo, as partes de um templo têm uma relação semelhante
com o conjunto” (MATTÉI, 2002, p.242).
Em 1490 Da Vinci fez o desenho O Homem Vitruviano que se apresenta
disposto em duas posições que se sobrepõe, dentro de um quadrado e de um
círculo que tem como centro o umbigo do personagem, sendo considerado um
símbolo de simetria do corpo humano, e quaisquer outras formas a serem tidas
como belas. A proporção da imagem adota a regra geométrica chamada de Proporção
Áurea. A área do círculo e do quadrado são idênticas e ainda, a figura é um
algoritmo matemático para cálculo do número irracional phi (1,6).
Agostinho de Hipona (Santo Agostinho) e
Leonardo de Pisa (Finonacci) também se debruçaram sobre as regras geométricas
da proporção, mas com fins além do artístico; o primeiro defendia que a
proporcionalidade conferia beleza aos corpos, valorizando as figuras
geométricas da Antiguidade já citadas e acrescentando o ponto como elemento
indivisível, sem meio e fim, assim como Deus; o segundo descobriu uma sequência
numérica oriunda da observação do crescimento de uma população de coelhos que
segue a base 1,6 e se expressa que cada termo subsequente corresponde à soma
dos dois anteriores (0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21...). O frade Luca Paccioli
escreveu em 1496 um livro chamado de De
Divina Proporcione que possui treze capítulos onde considera uma dádiva
divina esse valor numérico (GÓES, 2006).
O sucesso de Leonardo era resultado da
sua engenhosidade, mas O Homem Vitruviano
representa algo além do desenho em si, ele mostra o homem no centro de todas as
coisas, conceito este que vai marcar o viés humanista do Renascimento e a
proporção matemática do corpo indica que a racionalidade, alcançada aqui
através do cálculo serviria de base científica e artística (NOYAMA, 2016),
tornando-se cada vez mais presente na humanidade.
Ainda tratando-se da Matemática e seus
elementos na Arte durante a Idade Média, Leonardo foi um dos muitos artistas
que se valeram da simetria em seus trabalhos, como por exemplo, ainda se pode
verificar em construções da época de outros que resistem, entre elas a Catedral
de Saint-Trophime, localizada em Arles, no sul da França. Na entrada, o
escultor apresenta todos os elementos obedecendo à regularidade matemática com
Cristo ao centro, envolto num círculo imperfeito, cercado por quatro seres que
delimitam o quadrado perfeito representados pelos evangelistas São Marcos como
leão, São Lucas como boi, São Mateus como anjo e São João como águia (GOMBRICH,
1988); do centro da coroa do personagem central até as pontas inferiores da
escultura temos um triângulo equilátero e toda essa representação encontra-se
dentro de um retângulo, formatos imaginários mas perceptíveis.
Vale ressaltar que não foi a primeira
vez na história das ciências que duas áreas de conhecimento, aparentemente
distintas, corroboraram na busca de um resultado tido como ideal e nesse caso sob
o viés da estética. Da Vinci, certamente devido ao período em que viveu de resgate
da cultura antiga, também chamava essa simetria de “divina proporção”, fazendo
uma ligação da vertente matemática com a religiosa e recuperando o trabalho do
arquiteto. Entretanto, durante o Renascimento nem todos os artistas seguiram as
regras das proporções e ainda assim o valor de suas obras é evidente. A
Proporção Áurea defendida tanto por Vitrúvio quanto por Leonardo como
referenciais de belo permitem um resultado esteticamente agradável aos olhos de
quem observa, resultado das proporções harmônicas; ainda que a concepção de
beleza e feiura sejam subjetivas, os referenciais matemáticos atenderam ao que
se buscava naquele momento.
Referências Biográficas
Junior
Benedito Pleis é Licenciado em Matemática pelo Centro Universitário de
Maringá/UniCesumar; Especialista em Metodologia do Ensino em Matemática pela
Faculdade Eficaz. Atualmente é acadêmico de Licenciatura em Física pela
Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES e Professor de Matemática e
Física da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso/SEDUC MT.
Referências
Bibliográficas
GÓES, L. ABC do Código Da Vinci. São Paulo: Conex, 2006.
GOMBRICH, E. H. História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1988.
MATTÉI, J. F. A barbárie interior: ensaio sobre o i-mundo moderno. Tradução de
Isabel Maria Loureiro. São Paulo: UNESP, 2002.
NOYAMA, S. Estética e filosofia da arte. Curitiba:
InterSaberes, 2016.
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